quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Nossas Histórias!

Impossível não me emocionar com esta história, esta é a história de muitos e muitas homossexuais no Brasil e no mundo. Eu espero sinceramente que um dia o BRASIL seja realmente um PAÍS de TODOS & TODAS!

Agradecimento especial ao meu amigo Gabriel Vital por me enviar a notícia por e-mail.

Att,
Itamar Matos (Ita)

Mulher luta nos tribunais pela guarda dos filhos da companheira

Marcelo Abreu - Correio Braziliense

Publicação: 08/10/2008 08:06 Atualização: 08/10/2008 08:14

É uma história que mistura todos os ingredientes. É feita de encontro, preconceito, intolerância, nascimento, renascimento, morte, luta e tribunais. Mas é sobretudo uma história de coragem. E basicamente de amor. Dessas onde seus personagens enfrentam o mundo por acreditarem que estão fazendo o melhor. O que seria correto. O aceitável, mesmo que esse mundo diga o contrário. É a história de duas mulheres simples, que desafiaram as normas vigentes, os tabus, todos os nãos, a hipocrisia e a indiferença, às vezes a maior violência. Uma morreu há um mês. A outra, ainda em lágrimas, segurando o porta-retratos onde estão as duas, tenta dizer que existe. Criar os filhos que também a chamam de mãe e que ela ajudou a vir ao mundo. A que ficou tenta juntar o que sobrou de 12 longos anos de vida em comum. Essa história se passa no Recanto das Emas.

E essa é a história de Aparecida Maria de Oliveira, 44 anos, devota de Nossa Senhora Aparecida, nascida na Bahia, criada em Formosa (GO), quatro filhos, três netos, ex-depiladora, ex-doméstica, hoje dona-de-casa, 3ª série primária. E de sua companheira Lenilde Spinola dos Santos, 42, mineira, devota de Nossa Senhora de Fátima, ex-professora de catequese, segundo grau completo, funcionária pública, dois filhos, morta há um mês, vítima de falência renal.

Para entender é preciso voltar no tempo. Muito tempo. Aos 12 anos, Aparecida começou a se sentir atraída por mulher. Menina, não entendia bem o que se passava. "Minha primeira paixão platônica foi por uma moça bem mais velha que eu. Admirava a beleza dela. Não era sexo, era admiração", ela conta. A mãe um dia desconfiou que Aparecida não se sentia à vontade com rapazes. Ralhou com ela. Ameaçou contar para o pai, agricultor, homem de pés e mãos calejadas. O tempo passou. Aparecida chegou à adolescência. Conheceu um rapaz com quem teve sua primeira filha, hoje com 26 anos. Não se casou. Não gostava dele. Ainda assim, engravidou novamente. Nasceu o segundo filho. Anos depois, veio o terceiro, de um outro relacionamento.

Mãe de três filhos, Aparecida ainda assim se sentia atraída por mulheres. Muitas vezes repreendeu o desejo em função dos filhos. Um dia, conheceu um homem desses que nunca lhe fez perguntas. Aceitou-a como era e com todos os filhos. Joel Mariano da Silva respeitou Aparecida como nenhum homem havia feito antes. Pela primeira vez, ela achou que seria possível ser feliz. "Mas eu nunca enganei ele. Contei sobre meu outro desejo", ela diz. Ainda assim, Joel quis se casar com Aparecida. E ela vestiu véu e grinalda.

Logo, estava grávida pela quarta vez. Era um menino. Assim que o bebê nasceu (hoje tem 16 anos), Joel e Aparecida decidiram se separar. Mas nunca perderam o vínculo. Nem a amizade. "Ele é um homem muito bom, sempre foi", ela reflete. Aparecida seguiu sua vida. Trabalhou como nunca como depiladora. Joel nunca deixou de ajudar o filho dele e os filhos da ex-mulher.

Um dia, em Ceilândia, num bar, Aparecida conheceu uma moça. Lenilde tinha 30 anos. Gostava de viver, passear, tomar cervejinha e se divertir. O envolvimento foi imediato e intenso. Logo as duas começaram um namoro. Aparecida chamou os filhos e lhes contou a verdade. Meses depois, passaram a morar juntas. "No começo, os pais de Lenilde não gostaram muito de mim, não aceitaram a nossa relação, mas depois tudo ficou bem", revela Aparecida.

Os filhos de Lenilde
A vida seguiu. As duas viviam a mesma história. Aparecida passou a cuidar da casa. Lenilde proveu o lar. Os filhos de Aparecida afeiçoaram-se a Lenilde, a quem chamavam carinhosamente de Pio, apelido dela de infância. Emocionado, Ubiratan, hoje com 24 anos, disse ao Correio, na manhã de ontem: "Quando a Pio chegou aqui em casa eu tinha 10 anos. Ela ajudou minha mãe a me criar. Quando eu era adolescente, ela só dormia quando eu chegava da rua. Me dava conselhos, brigava e me ensinou a ser uma pessoa do bem".

Aos dois anos e meio de relacionamento, o desejo da maternidade atiçou Lenilde. Ela chamou a companheira e lhe contou sobre a vontade. Aparecida achou a idéia boa. Incentivou-a. Só havia um senão. Quem seria o pai? Imediatamente a mesma Aparecida encontrou a saída para o impasse. Convidou Joel, o ex-marido, para uma conversa. As duas disseram que só confiavam nele. Não haveria ciúmes. Mais: Aparecida contou aos filhos. Joel se prontificou a ser o pai do filho de Lenilde. Nasceu a primeira filha deles, hoje com 10 anos. Quatro anos depois, o mesmo Joel foi pai mais uma vez. Nascia o segundo filho da companheira da ex-mulher, hoje um menininho de 6 anos.

Casado pela segunda vez, 43 anos, funcionário público, morador de Planaltina, Joel aceitou falar ao Correio. "Eu ajudei no que pude. E acho que fiz a coisa certa. Elas eram felizes. No começo, não entendi a relação das duas, mas depois percebi que era uma coisa normal", ele diz. "Quando nasceu a menina, a gente quis registrar no nome de nós duas, mas a Justiça não aceitou. Aí, o Joel colocou o nome dele na certidão das duas crianças", conta Aparecida. Os filhos da companheira, voluntariamente, passaram a chamar Aparecida de mãe; e a mãe, de Piozinho.

Ação judicial
E mais uma vez a Justiça esbarrou na vida de Aparecida. Com a morte da companheira, ela procurou a Defensoria Pública do DF. A defensora Emmanuela Furtado, 37, casada, três filhos, ouviu a história daquela mulher. Comoveu-se com a luta de Aparecida. E protocolou, na sexta e na última segunda-feira, na 2ª Vara de Família do Tribunal de Justiça do DF, duas ações. Uma que trata da guarda das crianças da companheira (Aparecida seria a responsável, de fato e de direito, pelas crianças); e a outra, do reconhecimento da união estável post mortem (tornando a companheira herdeira de Lenilde e assegurando-lhe a pensão para seus filhos). "Se não há lei que regulamente essas situações, cabe ao Judiciário fazer com elas existam." E observa: "Os tempos mudaram, a sociedade mudou e provou que essas histórias existem. O juízes não podem se furtar a isso". O processo corre em segredo de Justiça.

Joel, a quem caberia a guarda dos filhos, concordou, em documento anexado à ação, que as crianças devem ficar com Aparecida. "Elas eram uma família. Eu não tenho direito de ir contra isso". Em lágrimas, Aparecida, que passou um ano se curando de uma depressão e cuidando da companheira já doente, conta: "Fui à escola onde as crianças estudam e o secretário disse: 'Isso é uma vergonha! Como é que pode, duas crianças sendo criadas por um sapatão'. Eu chorei e fui à delegacia. A escola afastou ele". Por que entrou na Justiça? "Não foi pela pensão. Só entrei pra não perder meus filhos."

Ainda com os olhos marejados, ela se lembra da companheira: "Foi a Lenilde quem me incentivou a estudar. Eu não sabia ler nem escrever. Ela me falou das coisas da vida. Me mostrou o mundo. O pouco que sei hoje devo a ela. Foi a pessoa mais sagrada que Deus colocou na minha vida. Ela me mostrou que nossa história não era pecado nem crime. Hoje, sem ela, só sinto tristeza e saudade". Nesse instante, a filha mais velha de Lenilde, a menininha de 10 anos, diz que está na hora de ir para a escola. Ela e o irmãozinho pegam a mochila e beijam a "mãe". Na sala de paredes verdes, os retratos onde Lenilde aparece sorrindo. As festas, os aniversários, os sonhos, as lembranças. As fotografias de uma família. O lar construído pelas duas. Uma história de amor incondicional.

http://www.correiobraziliense.com.br/html/sessao_13/2008/10/08/noticia_interna,id_sessao=13&id_noticia=38840/noticia_interna.shtml? em 08/10/2008

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